VILA MARIA ZÉLIA – RUÍNAS URBANAS

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por Bárbara Tegone

Seguindo a minha linha de textos sobre as ruínas urbanas, posso seguir dizendo que São Paulo é uma cidade imensa e possui diversas vilas antigas espalhadas por todos os pontos da cidade. Muitas destas vilas foram construídas por industriais para servir de moradia aos seus funcionários, ficando próximas das fábricas. E uma delas é a Vila Maria Zélia, que vou contar aqui hoje.

 

A Vila Maria Zélia começou a ser construída em 1912, por Jorge Street, médico e industrial, para servir de abrigo aos 2500 funcionários que trabalhavam na filial da tecelagem Cia Nacional de Tecidos da Juta, no bairro do Belenzinho e foi inaugurada em 1917.

A matriz dessa tecelagem ficava em Santana, na Rua Gabriel Piza, com trabalhadores em tempo integral e produzindo em capacidade máxima, o que fez com que o empresário viesse ampliar suas instalações.

 

 

 

O terreno escolhido foi adquirido do Coronel Fortunato Goulart e sua extensão, bem sinuosa na época, ia da atual Avenida Celso Garcia até às margens do Rio Tietê.

Jorge Street foi buscar na Europa alguém que pudesse projetar a vila operária de acordo com a sua ideia de instalações dignas, escolhendo então o arquiteto francês Paul Pedraurrieux.

Pedraurrieux se inspirou nas vilas estrangeiras que já estavam sendo construídas no início do século 20 e eram presentes as edificações residenciais, escolas, e estabelecimentos comerciais, que seriam necessários no local.

Foi erguido então, uma miniatura de cidade europeia dentro da capital paulista, um bairro à parte do Belenzinho. Com uma capela, dois armazéns, duas escolas (uma para meninos e outra para meninas), um coreto, uma praça, um campo esportivo, um salão de festas, farmácias e ambulatórios médicos, esse era um avanço que não se via em outras vilas operárias daquela época.

 

A inauguração era mais que uma festa, era um grande acontecimento, não só industrial, mas para a cidade de São Paulo. Na cerimônia estavam presentes políticos e industriais de várias regiões e o Cardeal Arcebispo de São Paulo Dom Duarte Leopoldo e Silva foi responsável pela missa inaugural, sendo seguido pela multidão enquanto abençoava todos os cantos da vila.

Inaugurada, a vila foi logo ocupada pelos operários da fábrica que já tinha sido inaugurada um pouco antes.

Apesar de toda a produção estar indo muito bem, Street tinha acumulado algumas dívidas e decidiu, em 1924, vender a vila e a fábrica que foi comprada inteiramente pela família Scarpa que resolveu mudar o nome do local para Vila Scarpa.

Claro que isso não agradou os operários.

Com a crise financeira mundial de 1929, os Scarpa também começam a sofrer para pagar algumas hipotecas. E foi nesse momento que o Grupo Guinle toma posse do local e reestabelece o nome original de Vila Maria Zélia.

 

Mas foi na virada dos anos 30 que os problemas começaram a aparecer de verdade e por causa dos débitos fiscais com o Governo Federal a vila e a fábrica foram confiscadas pelo IAPI (o atual INSS).

Depois de ter sido passada para o governo a fábrica é então desativada em 1931, permanecendo fechada por oito anos até que foi comprada pela Goodyear e reaberta em 1939. Nesse período enquanto era procurado um destino para as residências, os moradores puderam ficar ali sem pagar, se tornando em seguida inquilinos, pagando aluguel para o IAPI até 1968 quando, enfim, puderam comprar os imóveis através do sistema BNH.

Já as escolas e os armazéns permaneceram, e permanecem até hoje, como propriedade federal do INSS e estão abandonados há décadas!!!

A capela é administrada pela Paróquia de São José do Belém e tem o funcionamento normal.

 

 

Mas quem foi Maria Zélia?

A resposta está na família de seu fundador.

Bela e jovem, Maria Zélia Street era filha de Jorge Street.

Nasceu em março de 1899 e faleceu precocemente, aos 16 anos, em setembro de 1915, quando a vila ainda estava sendo construída.

Ao perder a filha tão jovem o empresário decidiu fazer uma homenagem colocando o nome dela.

 

Apesar do abandono do local estar associado diretamente ao INSS, é possível constatar que à arquitetura original não foi mantida por parte dos moradores, devido também ao tombamento tardio, que só foi sancionado em 1992.

São poucos os imóveis que permanecem com as fachadas originais. Praticamente todas as casas foram em parte descaracterizadas, sejam pelas fachadas, seja pelos muros e portões modernos que destoam da proposta inicial da vila. Por fim vale pensar também que alguns imóveis, que antes eram térreos, hoje chegam a ter até três andares.

 

 

Por incrível que pareça, os prédios que permanecem “originais” são os que estão abandonados e algumas das casas que resistem heroicamente com suas características de quase 1 século.

 

Dos dois armazéns, um está em péssimas condições de conservação, enquanto o outro possui condições apenas satisfatórias. Em um deles notamos que o piso já ruiu e que o telhado foi protegido por uma armação de ferro, porque a madeira já apodreceu e no outro ainda há equipamentos antigos da tornearia.

 

 

 

A Capela de São José está localizada bem na entrada na vila estando bastante conservada, preservando seus detalhes originais e mantendo atividades religiosas regularmente.

 

 

As duas escolas estão em estado lastimável, praticamente irrecuperável, com várias salas sem teto e mato tomando conta do interior das construções históricas.

Ambos os edifícios possuem dois andares construídos um de frente para o outro e não eram frequentados apenas por filhos de operários, mas também dos moradores de ruas próximas.

 

Do lado de fora da Escola de Meninas pode notar que apenas as paredes permanecem intactas, mas suas portas estão lacradas e não é possível entrar para conferir a situação interna

 

Já na Escola de Meninos podemos entrar e ver o quão abandonado o prédio está.

Uma pena.

 

 

 

Mesmo com todas as modificações, a descaracterização e o abandono, a vila deve ser ainda considerada um patrimônio histórico, pois ela nos conta uma história importantíssima da evolução e urbanização da cidade que cresceu em volta de suas fábricas.

 

Por outro lado, é preciso preservar enquanto ainda possível, tudo o que resta para que a nossa memória não fique dependente somente de registros fotográficos, o que acontece com outros logradouros da cidade.

 

Vila Maria Zélia, e toda a sua história, não pode desaparecer!

 

 

Fotografia Milena Leonel
As fotos da área interna do armazém e da escadaria da escola de meninas foram retiradas do blog https://vempravila.wordpress.com

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sobre o autor

Bárbara TegoneComunicação e Mídias Sociais

Estudante das Artes Cênicas desde a infância, viveu muito tempo nos palcos dos teatros e nos shows de rock do seu pai, descobrindo neles a sua paixão por cenários e interiores. Decidida a dedicar ...

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