SE EU PERDER ESSE TREM – Jaçanã

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por Bárbara Tegone

Hoje vou contar sobre uma das primeiras produtoras de cinema de São Paulo, e de quebra, falar um pouco sobre o bairro Jaçanã, dando sequência a minha “série” sobre a Zona Norte da cidade.

Prestes a comemorar 150 anos, o Jaçanã é um bairro imortalizado na voz de, talvez o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa, mas que esconde um grande patrimônio cultural brasileiro da sétima arte: o cinema!

O cantor, e também ator, não morava no Jaçanã, mas descia ali do trem para gravar seus filmes, pertinho da estação.

A estação foi demolida há pouco mais de 50 anos, em 1966, um ano depois de todo o ramal ser desativado, dando o lugar aonde hoje está o Museu Memória do Jaçanã, que não possui vínculo com a Prefeitura e/ou Estado, no número 1021 da Avenida Benjamin Pereira.

Sede da Associação Museu da Memória do Jaçanã

 

Mas, além do famoso trem das onze, que na verdade saía as 22h50 da Vila Mazzei, o bairro acolheu um dos primeiros estúdios de cinema do Brasil: a Companhia Cinematográfica Maristela.

Criada por Mário Audrá Junior em 1950, que após viver um tempo em Florença, sonhava se tornar produtor de cinema em uma época em que as plateias no mundo todo se encantavam com o neorrealismo italiano, trazendo o mesmo conceito para o Brasil, apostando na qualidade dos atores brasileiros e trazendo técnicos do exterior.

Naquela época, São Paulo era a grande cidade da América Latina, vivendo em uma crescente potência industrial, em uma grande efervescência cultural, e Marinho, como era conhecido, teve a ajuda de Ruggero Jacobi, Carlos Alberto Porto e Mario Civelli para fazer funcionar a nova produtora de filmes.

Buscando referências, vemos que a Maristela é conhecida como a “prima menor” da Vera Cruz, a primeira grande companhia nacional que seguia o estilo Hollywoodiano de produzir filmes fundada em São Bernardo do Campo por Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho. Mas isso não os abalou, e muito menos diminui a importância que essa companhia tem, sendo a base da história do cinema brasileiro, realizando diversas produções renomadas, onde atuaram figuras celebres da área como Costinha, Tônia Carrero, Procópio Ferreira, Nair Bello, e muitos, mas muitos outros.

Foto: Reprodução Maristela Filmes

 

Ocupando uma área de 18.000m², na atual Rua Francisco Rodrigues, onde funcionavam 4 estúdios de 40x25m com pé direito de 15m, carpintaria e marcenaria, restaurante, alojamento para 40 pessoas que era usado quando havia necessidade de noturnas (gravações à noite), quem passa por ali hoje em dia não imagina que todo aquele espaço foi um dos primeiros pontos culturais da capital, tornando-se um ponto de encontro de artistas renomados que frequentavam a boemia da região, até porque o que restou de um dos antigos estúdios é um muro de tijolos apenas e diversas casas e sobradinhos que foram construídos ao longo da rua inteira.

A Companhia Maristela não investia em grandes produções, fazia filmes de baixo custo. A ideia de Marinho era produzir dois ou três filmes, bons e baratos, por ano e alugar os estúdios para outras produtoras, o que não era comum na época, oferecer participação ou viabilizar projetos de terceiros trazendo recursos financeiros e tempo hábil para a preparação de novas produções. Uma estratégia simples, de encarar a cinematografia como uma indústria, sem deslumbre e sem necessitar dela para se auto promover.

Não durou muito tempo, apenas oito anos, mas deixando um belíssimo acervo de filmes produzidos, um pouco mais de 60 produções próprias, entre eles Presença de Anita – a primeira produção da companhia e que virou minissérie da Rede Globo em 2001, Meu Destino é Pecar – primeira adaptação de Nelson Rodrigues para o cinema, Pensão de Dona Stela – uma chanchada onde Adoniran Barbosa está presente com suas composições e também como ator.

Adoniran Barbosa atuando em A Pensão da D. Stela (Foto: Reprodução Maristela Filmes)

 

Para finalizar, uma curiosidade que contrasta com toda essa “pomposidade”, e que me foi contada pelas minhas tias-avós que moravam no Jaçanã naquela mesma época, é que por ali existiam grandes várzeas, havia pouca iluminação nas ruas e uma das maiores distrações, e divertimento para as crianças, era caçar rãs!

Que obviamente iam parar na panela e eram servidas no jantar…

Nham-nham

 

Obs. 1: O Museu da Memória do Jaçanã é aberto de segunda a sexta das 10h as 17h e fica localizado na rua São Luiz Gonzaga, 130, com entrada também pela Avenida Benjamin Pereira 1.021
Obs. 2: Na foto de capa, Demônios da Garoa, grande interprete de Adoniran Barbosa. Foto cedida por Marco Dantas para o site http://www.estacoesferroviarias.com.br

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sobre o autor

Bárbara TegoneComunicação e Mídias Sociais

Estudante das Artes Cênicas desde a infância, viveu muito tempo nos palcos dos teatros e nos shows de rock do seu pai, descobrindo neles a sua paixão por cenários e interiores. Decidida a dedicar ...

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