Sobre morar no centro de SP
VoltarFoi em 2010 que me mudei pra capital.
A primeira vez que havia visitado foi em 2007 ou 2008, como turista nuns dois finais de semana de pontos turísticos e muito encantamento. Normal pra alguém que nasceu no interior: o bando de gente e a dimensão da cidade assustam num primeiro momento. Mas foi um susto bom. Ótimo, na verdade.
Eu que amo fazer longas caminhadas tive a sorte de ter ao meu lado nesse primeiro contato pessoas que me fizeram caminhar muito, sempre sentido Centro. Lembro-me que estávamos nos arredores da arborizada Pompéia e viemos um dia no Minhocão (a essa época não havia todos esses holofotes e encantamento pra lá) e num outro caminhamos até o Centro Histórico, descobrindo cada viela. Esse passeio combinado ao friozinho típico paulistano me arrebatou.
Mentalmente guardei a informação que queria morar aqui, mas até isso acontecer tinha muito tempo ainda. À essa época eu cursava ainda o terceiro ano de Arquitetura no interior; ainda sairia pra um intercâmbio numa cidadezinha portuguesa chamada Évora, voltaria pra terminar a faculdade e só então poderia pensar nisso. Na primeira oportunidade, vim. De mala e cuia pra uma entrevista, mas na minha cabeça não tinha essa de “se der certo”, “se eu for chamado”. Vim pensando: pronto, agora moro em São Paulo.
Vingou! Logo na primeira entrevista fui chamado e já comecei no dia seguinte a trabalhar no (mais arborizado ainda) bairro de Alto de Pinheiros. Nesse momento descobri um pouco sobre burocracias que cidade grande sugere, bem como as dificuldades de quem não está aqui apenas pra ver como funciona o metrô, pra subir no MASP ou que seja pra andar por aí meio sem destino. A rotina marchada por horários rígidos torna a vida na metrópole um tanto quanto estressante, principalmente aos que são – assim como eu – muito pontuais.
Bem, meu primeiro período na capital foi mesmo no primeiro lugar que me acolheu. A Apinajés foi cenário da adaptação e consolidação do meu sentimento pela cidade. Aquelas ladeiras fortificaram minhas pernas e as árvores e pessoas fortificaram meu desejo. Em 2013 comprei um apartamento no Centro. Rua pequena, próximo a pontos super movimentados como a Nove de Julho e a Xavier de Toledo e ainda dois viadutos! Confesso que pouco antes de me mudar tive uns calafrios de pensar como seria meu dia a dia. Quando a gente não conhece algo, tendemos a isso: nos fecharmos no “não” desse incerto, do novo. Recebi as chaves no dia anterior ao meu casamento: imagine a loucura. Seis horas da tarde da sexta-feira e eu não estava nem aí pra lista de pendências da festa; eu estava mesmo era contratando a empresa que iria executar o piso de casa. Queria minha casa logo!
Foi um período ativo e muito curtido: não viajamos pra cuidarmos (eu e o marido – também arquiteto) da obra. Escolhemos e acompanhamos cada detalhe. Lembro-me de um dia que resolvemos ir ao Cine Belas Artes no Noitão em homenagem ao ator argentino Ricardo Darín. Ficamos da meia noite às sete da manhã assistindo filmes e logo que saímos corremos pra casa nova porque viriam entregar nossos móveis. Estávamos acabados, mas radiantes!
Junto com a obra veio também o desafio de como lidar com o tal receio da localização por conta dos viadutos, das baladas na rua de casa, etc. Mentalmente criei uma política de boa vizinhança com o pessoal que morava na rua por aqui: comprei um maço de cigarro (mesmo não sendo fumante) e deixava sempre no bolso. Obra é aquela coisa, sempre falta uma coisinha. Eu passava o dia todo pra lá e pra cá, sempre que encontrava alguém e me pediam, fazia questão de ser simpático, dar um cigarro, emprestar o isqueiro. Pouco a pouco fomos criando uma certa confiança. Comecei a oferecer café da manhã alguns dias; noutros roupas e itens que já não servia ou não usava mais.
A balada? Confesso que meu medo eram as pessoas alcoolizadas zanzando pela minha rua, o barulho. A realidade: zero barulho e acho ótimo o movimento de pessoas à noite por aqui. Estudava à noite e chegava bem tarde em casa; confesso que chegava mais tranquilo aqui por conta de todo esse movimento e olhos pelas ruas do que quando morava na Zona Oeste.
Uma coisa que o Centro de uma maneira geral propicia é uma relação mais humanizada entre as pessoas com quem você encontra frequentemente. Cheguei meio arisco em relação às pessoas que imaginava que iria encontrar por aqui. Hoje o cenário é bem diferente: o barbeiro da esquina sabe o nome dos meus filhos e sempre me pergunta deles, o caixa do mercadinho da esquina (que ficava aberto vinte e quatro horas por dia quando me mudei pra cá, saudades!) sempre agradece com um baita sorriso pelas compras lá, na Praça Roosevelt já conheço cães e donos pelo nome; e no viaduto? Continuo ajudando e me enche de orgulho quando vejo eles trocadinhos saindo pra trabalhar, vender algo na rua mesmo, lutando por uma vida digna. Se tem uma coisa que a gente tem que reconhecer são as oportunidades que tivemos na vida; nossa tarefa é ajudar da melhor maneira possível para que outras pessoas consigam se reerguer e conquistar oportunidades na unha. O que estiver dentro do meu alcance está garantido.
E posso falar? Isso não é só comigo. Meus amigos do prédio, os pais dos amigos dos meus filhos. O discurso, a simpatia e a alegria em ver o Centro ganhando investimentos e mais gente vindo pra cá, são os mesmos. E a mobilidade? Olha, é excepcional: tenho duas linhas de metrô – uma a cinquenta e outra a duzentos metros de casa, corredor de ônibus e tal. Mas pra mim o que não tem preço mesmo é pode esbanjar essa estrutura toda aos meus pés e fazer simplesmente tudo a pé: trabalho, lazer, compras, escola – tudo não fica a mais de um quilômetro de casa. Isso sim, pra mim, não tem preço. Integrar as rotinas de pai, de (futuro) corretor e eterno curioso num dia só, sem perder tempo pra lá e pra cá.
Se bobear (ou se ver o tanto de coisas que resolvo) meu dia tem quarenta e oito horas, juro.
sobre o autor
Rafael SorrigottoSócio-Proprietário
Arquiteto por formação, corretor por paixão e cozinheiro no tempo livre! Sócio da Refúgios Urbanos, é formado pela UNESP, cursou pós-graduação na FIA Business School, em Negócios do Merc...
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