Teoria do caos: “efeito mudança”

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Por Ana Shaida

“Todas as grandes mudanças são precedidas pelo caos”.

(Deepak Chopra)

Eu tinha seis anos, ainda não tinha ouvido falar de Deepak Chopra e nem lido essa frase que desde cedo fez muito sentido para mim.

Morava desde um ano de idade na mesma casa de vila na Tv. 7 de Setembro, bairro central de Santarém no Oeste do Pará, com minha mãe, meu pai, minha tia e minha irmã mais velha. Não lembro se era uma data especial ou um dia como outro qualquer e nem de quem eu ganhei um pijama branquinho bordado com flores coloridas. Achei que ele merecia ser usado em uma ocasião especial, então resolvi guardá-lo em meio a um amontoado de coisas que estavam sendo armazenadas para usar na nossa casa nova. Já a alguns meses, eu e minha família estávamos nos preparando para essa mudança e guardar alguns objetos para só usar nesse momento havia se tornado um hábito. Roupas de cama, toalhas de mesa, panos de prato, louças, talheres, tapetes, meu pijama novo e outras coisas mais permaneceriam encaixotados até mudarmos.

Nossa casa demorou 4 anos para ficar pronta. Nesse meio tempo ganhei uma irmã caçula, meus pais se separaram e quando finalmente mudamos eu já tinha 10 anos de idade (quase 11) e o meu pijama novo não me coube mais. Em meio ao caos da mudança, cansada e frustrada passei a noite chorando e me lamentando. Na manhã seguinte decidi que precisava de mais um tempo para resolver o que faria com ele. Não sabia, mas outra hora eu pensaria nisso. Encaixotei-o mais uma vez e ali ele permaneceu até a nossa próxima mudança.

Eu já tinha 16 anos de idade e o meu pijama “novo” ganhou um espaço na minha nova caixa de mudanças, junto com algumas roupas usadas, livros já lidos, barbies que já haviam perdido os sapatos e os cabelos, sapatilhas de ballet desgastadas, papéis de carta trocados, agendas antigas, todas as minhas fotos, meu registro de nascimento e outras coisas que já não lembro mais. Estávamos indo morar em Belém (capital do Pará). Essas mudanças costumavam ser feitas em balsas, uma rota de 3 dias pelo Rio Amazonas contornando a Ilha do Marajó. Eu e minha família fomos de avião, uma viagem que durou 45 minutos com pouca bagagem, só o necessário até a nossa mudança chegar. Não via a hora de reaver minhas coisas, eu tinha vivido 16 anos na companhia delas, me apeguei. O dia da entrega finalmente chegou e eu não aguentava mais de ansiedade, quase subi no caminhão para ir ao encontro da minha caixa e recomendar que tivessem cuidado com ela, foi uma viagem longa e ela nunca tinha ido tão longe, mas resolvi esperar pela minha vez. Vi o caminhão vazio, a última caixa sendo trazida e não era a minha. Minha mãe reclamou e lhe disseram que fariam uma busca, que devia ter ido para outro cliente. Não havia com o que se preocupar. Uma semana se passou e não localizaram a minha caixa. “Foi extraviada no caminho”, lembro que essa foi a frase dita pela pessoa do outro lado da linha. Nunca mais esqueci. Não conseguia entender como uma caixa daquele tamanho poderia ter se perdido no meio do rio. Existia um seguro e uma indenização seria paga, mas qual seria o valor de uma “caixa de memórias”? Aquelas coisas não faziam sentido para mais ninguém além de mim. E eu só conseguia pensar na minha caixa “naufragada”. Imaginava minhas fotos borrando cada dia mais até serem totalmente apagadas pela água, as sapatilhas de ballet que tantos anos limpei à seco para não estragar as pontas de gesso agora estavam encharcadas e o pijama novo jamais seria usado por alguém. Agora tudo era lixo.

Sofri com o exagero de uma adolescente intensa nos altos dos seus 16 anos. Como quem sofre uma perda de um ente querido, vivi um luto e um medo de ter ficado sem passado e sem memórias. Era trágico eu não ter com o quê preencher os meus armários, vi o constrangimento nos olhos das minhas irmãs ocupando seus lugares com suas coisas a salvo.

Mas em poucas semanas fui tomada pela percepção de que, além do meu registro de nascimento, eu não precisaria de mais nada daquilo que eu havia perdido naquele “naufrágio”.

Não tive escolha, cortei os vínculos e recomecei.

Nunca mais tive notícias da minha caixa. Não tenho objetos ou fotos que provem todos esses relatos, vocês terão que confiar em mim.

Já mudei de lares várias vezes depois disso. Criei um affair com mudanças, virei expert em construir novas moradas. Descobri que as coisas têm um tempo útil na nossa vida e quando elas perdem a sua utilidade, perdem também o seu valor. Desfaço-me dos meus excessos a cada fechamento de ciclo, minha bagagem fica cada vez menor, minha vida mais leve e me ajuda a abrir as portas para o novo e suas infinitas possibilidades. Não lembro com detalhes das coisas que ficaram pelo caminho, mas lembro perfeitamente das sensações que me causaram e das lições que me deixaram.

A vida é mesmo imprevisível, as mudanças necessárias e o caos inevitável.

E você? Já parou para pensar qual o é o seu “efeito mudança”?

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sobre o autor

Ana ShaidaSócia-Proprietária

Graduada em Design de Interiores, pós-graduada em Design Industrial e especialista em Design de Serviços, Ana trilhou seu caminho profissional principalmente pela área comercial. Viu isso como uma ...

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