Juscelino no País das Ervilhas

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por Matteo Gavazzi

A HISTÓRIA MARAVILHOSA DO DONO DO RESTAURANTE PISELLI

 

Sempre que vou a um sebo ou livraria sou seduzido pelos livros com desconto.

Fico lá mergulhando nas caixinhas com 20/30/40/50% de desconto como uma criança que quer brinquedos novos.

Ontem foi a vez de encontrar em um desses sebos um livro do qual eu desconhecia a existência, mas que conta sobre a vida de um senhor que eu já admirava muito.

Juscelino Pereira é conhecido no meio gastronômico paulistano como um Self Made Man, saído de uma pequena cidade do interior para se tornar dono de um dos mais elegantes e bem falados restaurantes italianos da cidade de São Paulo.

 

Não sabia, porém, os detalhes e esse livro foi um achado!

Gostaria de compartilhar com vocês, pois, tem várias lições importantes nessa história de vida vivida.

 

Nascido na cidade de Joanópolis em 1969, foi batizado de Juscelino por vontade do avô paterno que tinha grande admiração pelo JK.

Aos 16 anos, decidiu empreender e cultivou as terras da família.

Queria fazer diferente, sair do convencional do milho e da mandioca e plantou ervilhas.

A plantação foi bem-sucedida, mas na hora de vende-las, uma triste descoberta: Tinha esperado demais para realizar a colheita e por mais que a casca estivesse mais verde do que nunca, os grãos por dentro estavam estragados.

Uma derrota incrível. Um ano de trabalho jogado no lixo.

Mas, tudo bem…

Como todo empreendedor “que se respeita” aquele momento foi somente o pontapé para novos rumos.

Juscelino “desligou” a luz sobre sua carreira de agricultor e decidiu que se mudaria para a cidade.

Foi trabalhar no “Casarão”, restaurante de um amigo do pai, na zona norte de São Paulo.

Ali fez um pouco de tudo, desde lavar pratos até chegar a ajudante de cozinha, e por fim, cumim e garçom.

Entendia que aquela podia sim ser sua profissão, mas queria aprender mais e o “Casarão” tinha esgotado seus ensinamentos.

Foi assim que numa rápida sucessão de eventos, Juscelino foi mudando de restaurante para restaurante, sempre com o intuito de adquirir novas experiências.

Primeiramente, foi para uma grande casa que tinha mais de 350 couverts, onde aprendeu a carregar bandejas lotadas rapidamente.

Seguiu então para o Jockey Club, onde iniciou o estudo do italiano e do inglês para melhor atender os muitos clientes “gringos” e se afinou na arte de preparar a mesa, dispor os talheres, organizar os copos, etc.

Ali, Juscelino entenderia que seu interesse por hospitalidade, atendimento excepcional e bom serviço seriam a obsessão de sua vida.

Simplesmente uma obsessão.

E foi assim que traçou um novo objetivo.

Trabalharia no bairro dos Jardins, o mais requintado em termos de alta gastronomia.

Mentalizou e a vida lhe deu as chances que precisava.

Falava com todos sobre seus objetivos, e um dia, um de seus colegas o avisou que tinha uma vaga aberta para garçom num elegante restaurante dos Jardins.

No dia seguinte Juscelino estava lá, sentado em frente ao maitre Atagerdes Alves dos Santos, que cuidava da seleção.
Na entrevista pediu para ver o cardápio do restaurante, um pedido incomum e após estudá-lo por 5 minutos disse que não poderia aceitar a vaga de garçom pois nunca tinha trabalhado num restaurante daquele naipe, mas que se contentaria em ser cumim(terminologia para ajudante do garçom).

Foi contratado e em dois meses virou garçom e em seguida maitre do salão.

 

Seria este o ponto de chegada? Nem pensar.

 

Tinha vendido seu carro, para dar entrada numa casa em Santo Amaro e então voltava de ônibus a noite com a brigada.

O horário era o usual de todos que trabalhavam na gastronomia paulistana e não era difícil encontrar colegas sentados ao seu lado nas conduções.

Foi em uma dessas noites que ouviu seus colegas papearem sobre o FASANO, reconhecido como o melhor e mais fino restaurante italiano da cidade.

Aquilo ficou na cabeça de Juscelino. A chance não tardaria a chegar.

Em 1992 numa festa organizada pela Chandon Brasil, conheceu Manoel Beato, sommelier do próprio Fasano.

Grudou no colega e, taça após taça, já tinham se passado duas horas de conversa.

A despedida ao final da noite foi das melhores.

O Sr. Beato lhe disse que estavam precisando de um ajudante para sommelier, não deu outra, no dia seguinte Juscelino estava na porta do restaurante e conseguiu a vaga.

Aqui vale um pequeno parêntese – Juscelino tinha largado um cargo de maitre em um importante restaurante para se tornar ajudante.

Sabia o que fazia, e que aquele ambiente e aquela experiência seriam muito valiosas.

Para além do dinheiro e possíveis cargos.

Se abria a sua frente um novo mundo. Uma nova paixão. O vinho.

Em pouco tempo aprendeu tudo que tinha sobre os cuidados para se manusear uma garrafa e serví-la.

Isso, porém, não lhe tirava sua ansiedade quando precisava abrir um Petrus ou um Romanee-conti (garrafas que custam milhares de reais).

 

Mas não bastava. Queria saber mais, aprender mais.

 

Foi assim que se inscreveu na Associação Brasileira de Sommeliers, onde conquistou já em seu primeiro ano o 3° lugar no concurso anual. Havia ali um talento natural para degustar o néctar dos deuses.

Rogerio Fasano o seguia de perto, e mestre como é em hospitalidade, entendeu que Juscelino poderia ser um fantástico garçom. Foi assim que o promoveu.

Virou um dos mais queridos da casa. Isso porque sabia tudo de seus clientes. Anotava o que tinham comido nas ultimas refeições e sempre dava novas sugestões.

Além disso, ficava atento a quais mesas preferiam, o que gostavam de tomar quando chegavam, etc e etc.

A arte da hospitalidade, que vai muito além de aprender somente as regras do serviço.

Somente assim é possível criar uma intimidade profissional com o cliente e Juscelino era Mestre nesta arte.

Neste ponto da história temos a primeira decisão que é tomada para Juscelino e não por Juscelino.

Rogerio decide promovê-lo como maitre no recém-inaugurado Gero, restaurante aberto em 1994 para ser um bistrô mais informal, um filhote sofisticado, porém, menos pretensioso do que o Fasano.

Algo para todo e cada dia.

A contragosto, pois, queria ficar na casa mãe, mas Juscelino foi. Deu certo. Era amado pelos clientes, muitas “celebridades”, integrantes do jet-set paulistano.

Juscelino recortava jornais e revistas para manter um book atualizado sobre quem era quem, e poder atender todos de maneira personalizada.

Ficava por dentro até das fofocas, para não sentar dois “brigados” próximos. Era um verdadeiro mestre de cerimônias.

Aqueles que fazem de um restaurante um lugar íntimo, onde você chega sendo cumprimentado pelo nome, com um aperto de mão amigável seguido pelo seu drink favorito servido a mesa com pontualidade.

 

Teoricamente, tinha chegado ao ponto mais alto da pirâmide gastronômica paulistana, mas sempre lembrava de uma frase do seu avô: “Cada homem tem que ter o seu próprio negócio até os 35 anos”.

Faltava menos de um ano para a data.

Montou, então, um plano de negócios e convidou quatro de seus clientes/amigos para serem seus sócios.

Foi ousado.

Primeiro porque os sócios não se conheciam, segundo porque não abriria mão do Controle e Norte a ser dado ao restaurante, ficando com 60% das ações. Os demais teriam 10% cada.

Pediu para cada um deles um encontro pessoal e fez sua “venda”.

Contou que o restaurante se chamaria “Piselli“ (ervilhas), relembrando seu primeiro fracasso, e que seria uma “grande”(pelo grau de seu menu), mas pequena e requintada no espaço, casa de gastronomia do norte da Itália.

O retorno sobre o investimento se daria em 18 meses, o gasto inicial para a abertura seria 7 vezes maior que o faturamento mensal e Juscelino previa 2 mil couverts por mês.

Os quatro amigos selecionados “compraram a ideia” e investiram.

 

O restaurante abriu exatamente na data do seu 35° aniversário. Seu avô já podia ficar tranquilo.

Foram 5 mil clientes mensais, totalizando estonteantes 60 mil clientes no primeiro ano de operação.

Um sucesso absoluto.

Hoje em 2018 ja estamos no 14 ano de atividade tendo na longevidade uma qualidade que poucas casas paulistanas podem declarar em seu pedigree.

 

O que acho importante ser ressaltado nesta história?

A premissa com certeza é o pano de fundo de qualquer empreendedor:

Fracassos são pontos de partida. Simples assim.

Por outro lado, diria que:

Primeiro, não importa o ponto de partida, as dificuldades podem ser maiores ou menores, mas quem não desiste chega onde quer.

 

Segundo, e quem sabe o mais significativo ensinamento para qualquer empreendedor, seria: Aprender é mais importante do que “ganhar bem”, principalmente no início de uma carreira.

Experiência ao longo dos anos vale MUITO mais que dinheiro.

Todos aqueles “retrocessos”, saindo de uma posição “melhor” para uma “pior” em restaurantes onde aprenderia mais, garantiram que Juscelino chegasse ao dia que cativou seus sócios, estando realmente pronto para ter seu próprio restaurante.

 

Terceiro, se interesse verdadeiramente pelo seu cliente. Faça mais do que o esperado, surpreenda. Seja lembrado.

 

Quarto, seja obcecado com o seu produto e tudo que roda em volta do mesmo.

Não pare na superfície. Mergulhe. Seja um generalista especialista.

Parece um contrassenso, mas você precisa saber um pouco de tudo e ao mesmo tempo ficar sempre mais atento aos detalhes!

É um processo para a vida toda. Um aperfeiçoamento continuo.

 

Quinto, metas, se você não as traça e não sabe para onde quer ir dificilmente a vida te levara por si só. Saiba qual é seu ponto final de chegada e, ao mesmo tempo, nunca se acomode.

 

A vida é melhor quando estamos em movimento, felizes, porém sempre à procura do próximo desafio.

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sobre o autor

Matteo GavazziSócio-Fundador

Nascido em Roma, Itália, onde viveu até seus 20 anos, mudou-se para São Paulo em 2010, fazendo o mesmo caminho e trazendo os mesmos sonhos de Giuseppe Martinelli, um de seus maiores inspiradores. ...

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