Imensidão chamada São Paulo

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Por Camila Raghi

 

Parece que foi ontem que uma arquiteta curitibana de 26 anos aportou nesta cidade cheia de expectativas e sonhos que foram à primeira vista ofuscados por um enorme sentimento de medo e assombramento com a imensidão chamada São Paulo.

Parece que foi ontem, que em um piscar de olhos passaram-se 10 anos.

Lembro-me, logo nas primeiras semanas, de uma segunda-feira chuvosa na Avenida Paulista.  Eu, completamente assustada com o trânsito e a loucura desta rua – que mal sabia eu seria palco de inúmeros acontecimentos felizes em minha vida – e saudosa de casa. A música Construção, de Chico, não me saía da cabeça. Só que em minha confusão metal as estrofes se misturavam e eu criava um novo verso: “Morreu atropelado atrapalhando o transito…

Ah, isso tinha nome, banzo: sentimento de nostalgia que os negros da África têm, quando estão ausentes do seu país.  Significado de estar triste, pensativo, atônito.

Mas os dias foram passando, pessoas incríveis – que tenho a sorte de até hoje estarem em minha vida – cruzando meu caminho e um trabalho muito bacana num escritório de restauro no centro da cidade foram descortinando uma nova e belíssima paisagem até então não apreendida pelos meus olhos saudosos.  Foi aí, neste primeiro endereço, localizado num dos prédios mais charmosos de São Paulo, o Edifício Sampaio Moreira, avô dos arranha-céus paulistanos e cravado na antiga rua Líbero Badaró, que o inesperado aconteceu: o enorme encantamento por estão pauliceia desvairada. Tão grande e arrebatador que dois meses depois de minha chegada, ao receber uma proposta de trabalho para voltar para casa, na época Curitiba, ouvindo meu instinto de pisciana com ascendente em Peixes recusei sem pestanejar.

Tão logo pude, fui morar em uma pequenina e aconchegante kitnet na Rua Maria Antônia. Pronto! Novos bairros foram sendo descobertos… Meu coração agora também havia sido arrebatado por Santa Cecília e Higienópolis. O centro da cidade, e seus arredores, era agora meu lar 24 horas: podia caminhar até o trabalho, explorar os cafés e livrarias charmosos, ir a inúmeros shows de boa música no extinto Studio SP, ali, no baixo Augusta…Flanar pelas ruas descobrindo sua arquitetura, seus cantos e encantos. Enfim já podia chamar São Paulo de lar.

Após um período de estudo e trabalho de um ano em Madrid, volto a minha São Paulo querida. Depois de uma rápida passagem pelo edifício Parque das Hortências, do Artacho Jurado – meu primeiro e único endereço assinado…rs, uma nova e feliz morada: Edifício Bienal. 24º andar. Praça Roosevelt no início de suas obras de revitalização. Dessa vez não mais Chico Buarque me vinha à cabeça. Ao descobrir, do alto de minha varanda o céu de São Paulo e o Pico do Jaraguá, pela primeira vez, também pude ouvir jazz…Moacir Santos, com sua incrível Coisa nº 2, parecia ter orquestrado essa música diretamente de minha rede na varanda olhando pelo skyline noturno de São Paulo. Poesia pura…

Seis anos depois, novos desafios pessoais e profissionais surgem…um novo ciclo se inicia, um novo amor e uma nova descoberta: a zona oeste paulistana. Pinheiros, um novo bairro pra chamar de meu. Após um pequeno período saudoso do centro paulistano, logo me entrego ao seu charme. A cada passeio com minha cadela Tina Tuner, mais conhecida pelos porteiros do bairro como “bonitinha mas ordinária”, novas jóias arquitetônicas e gastronômicas se revelam. Aos poucos fui virando uma “pinheirense” ufanista, daquelas que, sem noção alguma, passa horas falando dos cafés, restaurantes e bares bacanas da região. E os sapateiros e costureiras então?? Rs…

Quando achava que já não haveria mais muitas surpresas em minha apaixonada trajetória paulistana, 10 anos depois, neste emblemático ano, cá estou eu voltando ao meu centro querido para abraçar um novo desafio profissional no mercado imobiliário, aliando meu fascínio por história e arquitetura a todos estes anos dedicados a explorar e conhecer a cidade a pé.

Endereço? Palacete Chavantes, charmoso edifício do final dos anos 20, restaurado para abrigar a sede da Refúgios Urbanos.

Novos ciclos que se iniciam. Novas histórias. Um novo centro antigo para desbravar, dessa vez próximo ao Largo São Francisco e à Praça da Sé. E lá vamos nós na eterna e deliciosa arte de se reapaixonar por São Paulo…

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sobre o autor

Camila RaghiCorretora Associada

Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), trocou Curitiba por São Paulo há mais de dez anos para se dedicar às suas maiores paixões: projeto e restauro. Após ...

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