Banca de jornal: contato direto com as ruas…
Voltar– Bom dia – disse um transeunte ao jornaleiro, numa manhã quente de dezembro, ainda escura, em plena av. Ipiranga, na Banca em frente ao edifício Copan – sabe me dizer onde fica a rua Panetone?
Meio atordoado pelo sono e pelo inusitado da pergunta, o jornaleiro pensou tratar-se, por um momento, de uma brincadeira, de uma pegadinha, muito na moda nos anos 1990.
Respondeu com uma outra pergunta, reforçada pela cara torta de espanto: rua Panetone???
A resposta desconcertou um pouco o pobre pedestre que, depois de um leve pigarrear de embaraço, repetiu o nome da rua, porém, com uma pequena diferença fonética. Meteu um sonoro “S” no meio do panetone e soltou:
– Rua PaneStone!!
Foi a senha para disparar o aplicativo mental, automático, que todo jornaleiro desenvolve ao longo do tempo, de tanto responder e indicar a localização de ruas.
Com o dedo em riste, apontou ao assutado cliente e disse de chofre, quase radiante: rua Nestor Pestana!!
Isso!! – retrucou o arguidor desavisado – rua Nestor Pestana!!
– Sobe reto, primeira à direita etc. etc.
Essa introdução, que de fictícia não tem nada – o jornaleiro era esse que vos escreve – serve para comprovar o quanto estamos perdendo com o lento, mas severo, definhar de uma verdadeira instituição da cena urbana: a banca de jornal.
Postos avançados da difusão de notícias, fofocas e de tantas outras informações, mais ou menos sérias, as bancas de jornais atingiram, no seu ápice, o verdadeiro status de ambiente “cult”.
Ponto de encontro das pessoas com seus ídolos da TV e do cinema, dos fãs com seu jogador de futebol predileto ou com seu time de coração, as bancas, foram, aos poucos, transformando-se, passando a atrair um público mais intelectualizado, através de publicações cada vez mais sérias, aprofundadas e caprichadas.
Houve tempo em que, entre publicações nacionais e importadas, era possível se conhecer uma boa parte do mundo e das suas diversas culturas apenas frequentando uma boa banca de jornal.
Algumas se tornaram verdadeiras lojas, oferecendo, além de lazer e informação, muito do que um cidadão precisa numa hora de necessidade.
De fichas telefônicas (sim, elas existiram!) a guarda-chuvas, de cigarros a lanternas, de cartões de estacionamento (??) a baralhos, de doces a filmes fotográficos (what?).
E, no meu entender, o mais importante e insubstituível: ofereciam espaço e oportunidade para um bom papo, para a troca e compartilhamento de experiências entre pessoas mais ou menos conhecidas, num ritmo de intimidade entrecortada e relativa, nunca explícita, mas sempre buscada.
Quantas e quantas horas dedicadas a consertar os problemas do mundo ou do time que capenga no campeonato?
Quantas confissões feitas e segredos insondáveis desvelados, quantas sentenças indiscutíveis sobre o novo cabelo da protagonista da novela ou em relação ao governo de plantão, num movimento de moto perpétuo, que se renovava a cada manhã?
Esse tempo, me parece, está terminando, e de forma célere. O número de pequenas bancas que fecham suas portas todos os dias chama a atenção. Pelo menos pra mim, que já vivi disso.
Restam as grandes, mais bem localizadas, fartas de produtos e organizadas.
Até quando resistirão, não me atrevo a dizer.
Que seja por muito tempo, para que possam ouvir muitos e muitos pedidos pitorescos de informações sobre ruas ou de procura por produtos inesquecíveis…
– O senhor tem pilha de eucalipto?
– Qual prefere, duracell ou energizer?
sobre o autor
Geraldo AntunesCorretor Associado
Sabe aquele cara que sabe fazer um pouco de tudo e tem o dom para atendimento? Esse cara é o Geraldo. Sua formação e atuação são multifacetadas. Por vários anos, gerenciou a banca de jornal...
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Sr. Geraldo: que prazer ler a sua crônica ” Contato direto com as Ruas”. Junto a sua rica experiência de quem já teve uma, quero dizer que a Banca de jornal sempre me intrigou: Por que um equipamento destes, tão diversificado e aberto à cultura e a sociabilidade não recebeu até o momento uma atenção maior e mais aprimorada do que de costume, dos nossos políticos, prefeitos e vereadores? Eu mesmo, já havia pensado num projeto que as alavancassem para um outro patamar ou status urbano econômico e cultural, mas não consegui ir além de uma reunião com meia duzia de donos de bancas. Uma pena que possam estar fadadas ao lento desaparecimento, senão de uma vez por todas da paisagem, certamente em importância. Parabéns pela sacada.