Relevância verdadeira – O que nos é realmente caro?

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por Octavio Pontedura

Estamos cercados de coisas, e realizamos um tanto de outras ao longo dos dias. Porém, quantas destas têm relevância verdadeira e nos são realmente simbólicas, nos marcam e têm valor de fato?

Há algumas semanas, fui visitar uma exposição de imagens realizadas com as técnicas de Ferrotipia e Ambrotipia, desenvolvidas lá nos primórdios do que viria a ser a fotografia, no Sec. XIX.

Parte das atividades do evento abria a possibilidade de ter seu retrato realizado em uma destas técnicas.

Não resisti e quis experimentar.

Escolhi um Ferrótipo, que é a impressão da imagem sobre uma placa de metal pintada em um dos lados com um verniz preto.

O processo é relativamente simples, porém cheio de detalhes.

É preciso se posicionar a uma distância específica da câmera, sob a orientação do fotógrafo, que não só ajusta a pose, mas também o quadro geral e especialmente o foco, que é meio único e com pouca possibilidade de ajuste.

Uma vez marcadas as posições, a chapa é preparada com a aplicação de uma solução viscosa que adere ao verniz.

Antes de inserir a  placa na câmera, voltamos a verificar a distância e a pose, pois se não estiver tudo correto, como marcado anteriormente, o trabalho todo se perde.

Estamos prontos para colher a imagem. Mas, é preciso ficar imóvel para que o resultado não saia borrado ou fora de foco. A imobilidade, especialmente do rosto, é garantida por um “apoio de cabeça” que fica atrás da nuca, mais como uma referência de posição do que uma restrição de movimentos em si. O resto é conosco mesmo. E nada de piscar!

Tudo certo, abre-se a lente por alguns segundos e pronto.

Seguimos para a revelação, onde a placa é mergulhada em um um preparado líquido que interrompe e fixa o processo de “queima” pela luz na solução viscosa.

Como se tratava de uma exposição também dos próprios processos, a caixa onde a placa é mergulhada tinha uma face em vidro, para ver o processo acontecer.

Aos poucos, a imagem, antes um borrão indistinto, vai surgindo e ficando clara.

O retrato, afinal, foi esse:

Dá para imaginar o tamanho do assombro que estas invenções causaram quando surgiram. Uma imagem de si mesmo, em um momento único e eternizado!

Raras e custosas, as pessoas mais simples contavam nos dedos as fotografias que tinham; tomadas em momentos especialíssimos, como casamentos, batizados; ou quem sabe somente uma em família. Apenas o que realmente tivesse relevância, fosse importante.

Eram entregues em caixas ou envelopes finamente adornados em madeira ou couro, para guardar e preservar como o tesouro que eram.

Atualmente, fotos são tão comuns. As vemos e produzimos com tanta simplicidade, que perderam um pouco deste encantamento e, especialmente, sua relevância.

E este significado está justamente na experiência, no ritual de obter a imagem, na dificuldade, nos pequenos cuidados para conseguir um bom resultado.

Posso tirar dezenas de selfies em um único dia, se quiser; ter centenas de fotos em meus arquivos e dispositivos, mas esta será sempre mais especial, pois foi tomada com preparação e rito.

É física, tem o toque de um artista, é indelével e única.

Tirar esta foto, e tê-la comigo, me fez pensar em como nos acostumamos com a efemeridade em praticamente tudo, e em como deixamos de valorizar muito do que fazemos e vivemos.

Perdemos, em algum momento, a intenção, a forma e a mística que já envolveu os atos mais corriqueiros e até os mais importantes. Quase tudo se tornou banal.

O filósofo americano Joseph Campbell dizia dos rituais, das formalidades e protocolos como uma forma de dar peso e mistificar os eventos onde estes ocorriam. Não é algo qualquer; requer cuidados, preparação e respeito. Por isso é especial e marcante.

Em nosso mundo de fugacidades, onde tudo é consumido, as horas passam desapercebidas, as refeições deglutidas, os relacionamentos superficiais, as conquistas não saboreadas, há de se buscar experiências que marquem, reduzam a velocidade, que tenham peso simbólico e nos sejam realmente caras e tenham sua relevância em nossas vidas.

Mesmo que seja, simplesmente, uma foto.

O responsável pela imagem foi o fotógrafo Roger H. Sassaki, do Ateliê Fotográfico Viajante e coletivo Imagineiro. A quem agradeço mais uma vez!

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sobre o autor

Octavio PonteduraSócio-Proprietário

Nascido em Londrina, vive em São Paulo há mais de duas décadas. Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), seguiu carreira corporativa por boa parte da vida, trabal...

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